Plano de Degenereação de Braga, coloca em causa o legado arquitetónico de andré Soares
Palácio do Raio: desrespeito gritante pela
obra-prima do rococó português
Neste presente ano de 2012 a cidade de Braga tem continuado a
assistir ao desrespeito que os governantes têm pelos seus cidadãos. Em tempo de
fortíssima crise, há ainda quem queira gastar quantias avultadas sem querer
saber se são bem gastas, ou sem auscultar aqueles a quem se dirigem, os
cidadãos bracarenses. A verdade é que esta câmara não quer saber se os
habitantes da sua cidade estão de acordo com estes gastos ou, concordando em
que se façam, se aceitam que as obras sejam feitas sem eles serem auscultados.
Auscultados os moradores da rua ou praça, os comerciantes e todos os demais que
ali têm as suas lojas, consultórios, oficinas, etc. e, por tabela, todos os
bracarenses, sejam os que ali passam como também os que não passam, porque a
cidade a todos pertence. E se a cidade a todos pertence qualquer obra deveria ser
apresentada publicamente para ser apreciada e discutida. Se a obra for bem apreciada
e discutida, todos ganharemos porque a proposta original será com toda a
certeza muito melhorada.
Além disso, a cidade também ganhará porque os seus habitantes
treinarão a arte maior da política, que é a de desapaixonadamente discutirem a
gestão pública da sua cidade. Mas pelo que vimos em debates havidos na Velha a
Branca, a falta de informação era gritante e a vontade dos participantes em
discutir aquele caso concreto – o arranjo do largo da Sra-a-Branca
– era tão grande que é um autêntico crime não aproveitar essa vontade dos
cidadãos em melhorar a sua cidade. As transformações urbanas que Guimarães
recebeu nos últimos tempos foram em geral bem acolhidas, porque apresentadas
previamente aos cidadãos, sendo-lhes dado tempo para as discutirem em cafés,
nos jornais ou em fóruns e reuniões expressamente convocadas para esse fim. É
essa a forma como qualquer cidade deve trabalhar: olhando nos olhos os
cidadãos, dando-lhes tempo para prepararem o direito à réplica, caso ela seja
necessária. E a verdade é que se os técnicos forem competentes a proposta
poderá ser aceite à primeira. Mas para que tal aconteça têm, esses técnicos, que
ter muita qualidade.
Se tiverem muita qualidade saberão ouvir previamente quer os mais
diretamente interessados, quer os especialistas. Não é, porém, o que tem acontecido
nas obras que nos últimos meses têm deixado de rastos muitas das ruas e praças
da cidade, para já não falar do tempo em que são feitas. Veja-se o exemplo da
rua dos Chãos: já não faltava a malfadada crise para os comerciantes da rua
terem o espaço exterior em pantanas, de tal forma que num dos momentos mais
importantes do seu calendário de vendas, o Natal, têm a rua num caos.
Mas não são só as ruas que têm sofrido, os edifícios também.
Ontem vi imagens de uns degraus do Recolhimento das Convertidas, edifício classificado
e peça fundamental do passado da cidade.
Pois bem: sem sabermos com que direito, quem faz aquelas obras
retirou os degraus de acesso da porta principal. Com autorização de quem? Ou
deverei dizer com o beneplácito da Câmara? Da mesma Câmara que alguns anos
atrás mandou limpar as imagens da Fonte do Pelicano com tanto cuidado e saber
que destruiu pés, pernas, braços e mãos dos meninos que estão sobre as taças,
conseguindo numa mera obra de “limpeza” destruir mais num dia que o tempo
durante cerca de dois séculos e meio, mesmo tendo estado 25 anos num local
ermo, o Parque da Ponte, onde não foi vandalizada! E outro vandalismo está agora
a acontecer, a obra está a receber os últimos aprestos. Referimo-nos ao Palácio
do Raio. Num rápido olhar se pode ver a grave asneira que está a ser feita numa
das duas obras-primas absolutas do rococó português, a outra é a capela de
Santa Maria Madalena da Falperra. Num livro publicado na Alemanha em 1926 sobre
a arte portuguesa do séc. XVIII, o único edifício que mereceu ser mostrado foi
o Palácio do Raio! É bem sabido que o Palácio do Raio é uma obra maior do
rococó europeu. E também é bem sabido que uma das duas características principais
do rococó é a assimetria. Se olharmos para os ornatos que envolvem as suas
portas e janelas veremos que são todos profundamente assimétricos. Não foi
esse, porém, o desenho escolhido para o pátio que agora o defronta. Não é
preciso ser de história de arte para se ver que há outro pátio em Braga que faz
lembrar aquele, onde possivelmente os autores deste atropelo se inspiraram: é o
que defronta a igreja de Santa Cruz. Mas esta igreja é uma peça barroca e o
pátio foi construído em 1721! Tal obra nunca poderia servir de modelo para uma
obra que é de um estilo completamente diferente!
Ainda não contentes com tal asneira, desenharam com pedras, em
frente da porta, um círculo. Ora o círculo é uma linha por excelência barroca
e, além disso, fechada. E o desenho desta casa é tudo menos fechado: vejam-se as
colunas da porta principal que não estão colocadas a direito, abrem-se para
fora. Ou os meninos que estão colocados nos cantos da varanda nobre, quais
figuras de convite, em gesto de boas vindas e acolhimento a quem quer entrar na
casa. Em contrapartida, agora põe-lhe uma linha fechada, um círculo, em frente à
porta! Se a asneira era imensa, assim tornou-se ainda maior. Com o desenho do pátio,
o seu autor mostrou-nos que não sabia nada de História de Arte; e por incrível que
pareça, deu-nos outra informação sobre si ainda mais grave, que não sabe ler um
edifício.
André Soares fez para o comerciante João Duarte Faria uma casa em
que a porta se abria a todos que ali passavam; e, não contente, pôs na varanda
uns meninos que convidavam a entrar e, no meio das escadas, uma figura de um
turco, com uma lanterna na mão a alumiar o caminho até ao salão nobre. O autor do
“desarranjo” atual fez exatamente o contrário: pôs à porta uma linha fechada que
faz lembrar uma teia de aranha: quem nela entrar não pode sair!!! Uns, como André
Soares, abrem; outros fecham! Resta apenas perguntar se uma tal obra teve a
autorização do Igespar e, num caso de um edifício tão relevante, do seu
proprietário, a Misericórdia. Nós que olhamos estas obras não temos que dar
autorização, mas deveríamos ser consultados, como deveriam ser consultados todos
os bracarenses sempre que se faz uma obra na sua cidade.
Eduardo Pires de Oliveira
“ASPA — Associação para a Defesa, Estudo e Divulgação do
Património Cultural e Natural” — Apartado 78 — 4711-909 BRAGA (Portugal)
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SEGUNDA-FEIRA,
19 de novembro de 2012 Diário do Minho